sábado, 25 de junho de 2011

Aos que vierem depois de nós

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.


Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel Bandeira)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A vida nova é uma Contracultura



Sairei um pouco do tradicional aqui, mas não totalmente. Bom, tire suas próprias conclusões.

O objetivo é apresentar paralelos existentes entre o texto de Roland Barthes, “Aula” - sendo a aula inaugural da cadeira de semiologia literária do College de France, pronunciada em sete de janeiro de 1977 -, e o que se chamou de contracultura durante as décadas de sessenta e setenta do século XX, com exemplos retirados principalmente no Brasil, tendo como fonte de consulta o livro da jornalista Lucy Dias, “Anos 70 – enquanto corria a barca” , e retomando alguns conhecimentos da conhecida “geração Beatnick”, nesse último caso, reflexo dos Estados Unidos entre meados da década de 50.
Apesar de analisarmos épocas, lugares e pessoas diferentes, é bom lembrar principalmente do mês de maio na França, em 1968, conhecido como o Maio Francês, que paralelamente com a geração já citada, pode ser interpretado como uma grande influência ao que se via no mundo durante os anos 70, e entre essas lembranças também é possível retomar o contexto de revolta a partir de convocações para a Guerra do Vietnã, além do desgosto gerado por ela, não só a parte da população norte-americana, como também a população mundial. Retomamos o que foi dito da França no fim da década de 60, e podemos lembrar como uma associação que esse era o espaço vivido pelo autor aqui analisado.
No início do texto (propriamente nas páginas 4 e 5 da tradução), Barthes retoma lembranças do passado, sobre quem o inspirou, e assim também, ajudou. Faz uma associação de nomes. Esse elemento é colocado simultaneamente com a influência “beatnick” a chamada contracultura, são lembrados nomes como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, além da presença da idéia da estrada como liberdade, essa última adorada pela geração da década tratada, e a adoração pelo novo, aquilo que foge da regra e das normas – uma década em que se vê a presença nítida de drogas variadas, e não apenas nos grupos jovens, como também no meio artístico, sendo ele a música, o cinema, o teatro e até a literatura, como pode ser visto nos próprios livro “Beats”, que apresentamos como um exemplo o livro “Viajante Solitário” de Jack Kerouac (já citado nesse parágrafo), lembrando que o autor retrata ali entre suas viagens, uma ida para a França.
Ainda na página cinco, o autor refere a um desejo revolucionário de estudantes de Letras, para um ensino livre, posto no trecho: “Assim, quanto mais livre for esse ensino, tanto mais será necessário indagar-se sob que condições e segundo que operações o discurso pode despojar-se de todo desejo de agarrar” . Esse desejo de revolução e liberdade está claramente colocado nessa contracultura, que pode ser exemplificado com o filme “Hair”, musical inicialmente escrito para o teatro de Biltmore, que tem como autores James Rado e Gerome Ragni. Barthes ainda lembra em um discurso sobre Poder, elemento diretamente relacionado ao que é posto em paralelo nesse texto. O autor coloca a língua como um poder fascista, que te obriga, e apresenta como exemplo o uso dos pronomes Tu e Vous, na língua francesa, como uma obrigação a ser cumprida. O poder é criticado por essa contracultura, no caso do Brasil, se tem uma crítica ao regime militar, que combate essas reclamações a base de “ponta pés”. Barthes quer uma liberdade da língua assim como jovens, hippies, militantes, ou qualquer pessoa que combata ao regime quer para o Estado. Acima de tudo, ele atribui regras e normas a literatura (a qual se divide em forças – em sua analise, Barthes recorda características do comunismo, assunto bem tratado nessas revoluções), que são motivadas pela língua, assim, pode-se dizer que a língua é o regime da arte literária.
O paralelo da existência da realidade e da irrealidade na literatura, o desejo do impossível, como é expresso pelo autor, se mostra em uma mesma linha do pensamento dessa geração da década de 70, o “desejo do impossível” era o “proibido proibir” , como grande significado dessa geração. Deixa claro o desejo de várias línguas francesas, que podemos interpretar como dialetos de grupos, que tenham o mesmo valor de igualdade. Assim também se vê uma reclamação dentro do que é colocado em paralelo, a idéia de diretos iguais, sendo defendida principalmente na linha feminista - uma posição diferenciada e igualitária ao respeito masculino -, bem retratada com a atriz Leila Diniz e uma posição com a “patota” . Ao tratar no texto “Aula” de opressões, constrangimentos, e repressões dadas a partir da rede de regras do discurso, está descarada uma associação da ação do regime vigente no Brasil durante as décadas tratadas, mas principalmente o seu movimento a contracultura.
Acima de qualquer discurso, o autor deixa claro que existiu uma modificação da obra literária por uma ruptura em maio de 68, onde facilmente se vê explicado o paralelismo aqui expresso, uma vez que se tem a influência de uma instância nos dois meios. Outro elemento de associação é a relação que tanto Barthes, quanto a produção artística brasileira inserida nessa contracultura, tem no autor alemão Brecht, e em seu teatro. Pode-se não ter um tom contraditório colocar um paralelo entre a semiologia apresentada pelo autor, não a vendo como uma ciência, mas sim como uma ajuda a outras ciências, com o papel da droga para a geração 60/70, vista com os mesmos olhos principalmente para produção artística, além de possuir um significado de libertação de correntes. Esse paralelo pode ser comprovado na visão em que se tem de um semiólogo como artista, sendo uma tipologia.
É visto um desejo de uma transformação por Barthes, bem expresso no trecho: “Em síntese; periodicamente, devo [pág. 44] renascer, fazer-me mais jovem do que
sou. Com cinqüenta e um anos, Michelet começava sua vita nuova: nova obra, novo
amor. Mais idoso do que ele (compreende-se que esse paralelo é de afeição), eu
também entro numa vita nuova, marcada hoje por este lugar novo, esta nova
hospitalidade” . Esse desejo de transformação é comum em artistas do paralelismo tratado, como pode ser exemplificado com a figura de Ivan de Albuquerque, ator e criador de teatro, com declarações a Lucy Dias para o seu livro, aqui já lembrado, que demonstrava uma visão de estranhamento e ao mesmo tempo conquista a época, principalmente em sua primeira ida a Europa, ainda na década de 60. Sua declaração demonstra uma transformação dessa visão, alguém antes considerado careta a época, estava totalmente inserido ao modelo no início da década de 70, que se refletiu no processo de produção da peça “Hoje é dia de rock”, de José Vicente . Nas últimas referências é possível visualizar um dos maiores exemplos da relação aqui tratada.