quinta-feira, 19 de julho de 2012

Aquilo que passou. Aquilo que nunca existiu.

Olhava para um vídeo de Alice no País das Maravilhas, na realidade apenas a caixa dele, aquele da Disney, de 1951. Era a capa de um desenho que me levou de volta para a casa da minha avó paterna, na primeira metade dos anos 90. Uma saudade, em partes estranha, atingiu-me em cheio no peito. Me lembrou tardes e quadros, eram desenhos que ela mandava emoldurar com o maior orgulho da neta, a “princesinha da vovó”.
 Toda tarde que passava em sua casa necessitava de um ritual. Primeiro, desenho animado no meu quarto – um quarto de tv do apartamento, que eu chamava de meu. Depois, “pintavamos” telas no atelier dela. Custei para sujar a primeira, só a conquistei por volta dos meus cinco anos, e, diga-se de passagem, foi gloriosa. No fim da tarde, era sempre a mesma história: admirar bem-te-vis pela janela do apartamento, que me divertia ao responder para os passarinhos.
 Acho que essa convivência possivelmente tem uma relação no fato d’eu me contruir como uma pessoa sozinha, principalmente antes dos meus quinze anos. Filha única, neta única (no que trato aqui), amadurecimento único. As tardes com a minha avó me mostram hoje o quanto influenciaram na minha criação. A dificuldade em fazer, ou manter, amigos só foi superada no colegial. Na realidade, a utilização da palavra “superada” me parece um tanto fora de contexto, uma vez que aqueles que eu não consegui me apegar até aquela época não me fizeram ou fazem falta alguma, afinal, eu tinha muito mais do que eles poderiam montar.
 Às vezes me deparo com a falta da solidão que tinha nessa época. Querendo ou não era um estado reconfortante. Foram nesses dias que descobri uma paixão por música, quando larguei um desenho da Betty Boop pra assistir uma solista tocar Pagannini com o meu pai. Ou um gosto pela leitura, quando contava “Feiurinha”, do Pedro Bandeira, de trás para frente. Era o tempo em que todos diziam que eu lembrava o meu tio André, irmão do meu pai, que eu não cheguei a conhecer.
 Foi então por um trauma que tenho até hoje com o formato do meu nariz que soube um pouco sobre o meu tio. Minha mãe fazia comparações físicas, meu pai evitava qualquer comentário, mas nunca deixou de lembrar a adoração a coca-cola, e o fascínio por rock e desenhos que o seu irmão tinha. Já a minha vó acabava comparando-me por um estado de espírito. Ele foi o filho querido dela, eu, a neta.
 A mudança nesses vinte e um anos que estou em pé foi inevitável. Hoje, infelizmente, me vejo na necessidade de um corpo ao lado. Não são apenas as tintas, os sons e os contos que me satisfazem, mas o sorriso e o calor tornaram-se elementos de sobrevivência. Por sorte, algumas características ainda me seguem. O estar sozinha por cinco minutos me levou até isso, pensamento em que o núcleo único é mais que necessário.

terça-feira, 5 de junho de 2012

“De Mutante virei Os Quem!”

19 de outubro de 2010. Era aniversário de Jonas, que completava catorze anos. Como presente, seu pai havia prometido um vinil, na condição de ser comprado pelo menino. Apesar de achar uma velharia, e nem entender muito o porque daquilo (afinal, pensava: “Carregar uma bolacha enorme preta se eu posso ter tudo no bolso em mp3?”), achou a proposta interessante. O motivo: era a primeira vez que sairia absolutamente sozinho, em direção ao centro de São Paulo, na condição de cumprir a missão de retornar com um disco em baixo do braço. Era uma terça-feira. Jonas sairia da escola e caminharia direto para a Galeria Nova Barão e assim o fez. Seu pai havia lhe dado um mapa com instruções para a chegada e ao termino dela, estava escrito: Liberte a sua imaginação. O caminho até a Galeria, para Jonas, era como uma aventura. A cada passo pela cidade, o jovem ia se sentindo mais forte e invadido por uma alegria atrelada a liberdade. Imaginou que dali viria o pedido do seu pai, aquele anotado, uma vez que o visual do centro não costumava lhe provocar esse efeito. Chegando, entrou em uma loja chamada “Big Papa’s”. Inicialmente, aquela organização de vinis não provocou nenhum entusiasmo ao garoto. Em um segundo a história se alterou: reconheceu uma foto na parede (que definia uma sessão de discos). Eram “Os Mutantes”, com Rita Lee vestida de noiva. Tinha como separação então a banda favorita de seu pai, chegando a conclusão que era ali que encontraria o presente. Após passar por aquelas relíquias (velharia, na cabeça dele), encontrou uma capa que o atraiu. Em branco e preto, era um menino, de costas, sobre uma moto. Descobriu que era da banda “The Who” (“quem?”, pensou, dando um leve sorriso, lembrando das aulas de inglês). Colocou o disco na vitrola, vestindo os fones ali plugados e sentando em uma poltrona vermelha que ficava ao lado. Nos primeiros segundos que o vinil começou a rodar, Jonas admirou aquele encarte e no mesmo instante, uma ventania invadiu a loja. Ele se levanta e começa a ver a transformação de tudo em pó, com o vento ainda mais forte, o impossibilitando de enxergar qualquer coisa. Em segundos encontra-se em uma rua escura, vazia, com apenas um moto “Lambretta” branca, recheada de espelhos, a sua frente. Começou a admirar toda aquela paisagem, achando-a estranha e diferente. Um menino loiro, sobre uma moto igual a outra parada ali, mas essa vermelha, aparece em sua frente e diz: “Vem logo, Jimmy! Sobe logo que a gente tá atrasado!”. “Jimmy?”, pensou Jonas, mas sem conseguir perguntar absolutamente nada, pegou a moto e seguiu o garoto. Pararam em uma casa e entraram. Jonas não dizia uma palavra, apenas o seguia. Ganhou então umas “balas” do loiro, que as chamou de anfetamina. Colocou-as em sua própria boca, sem pensar sobre o que estava fazendo. Acreditou que havia tomado parte do corpo do tal Jimmy, mas as atitudes e costumes desse garoto havia habitado o Jonas que conhecia. Era então uma mistura. Estavam em uma festa. O jovem começou a reparar na decoração e vestimentas estranhas a ele. Trajava terno justo e gravata. Nunca tinha vestido isso. Era tudo novidade. A música também não era o que conhecia, reparou a repetição de “Talking about my generation”, e entendeu que alguém falava daquela geração. Qual era ela? Virou para a garota ao lado e perguntou: “Em que ano estamos?”, ela, com cara de espanto, respondeu: “1965!”. Um estrondo distrai qualquer interação da festa. Jonas, Jimmy, ou sabe-se lá o que ele era, vê três garotos vestidos com jaquetas de couro, parando suas grandes motos sobre as lambretas estacionadas. Uma briga começa: meninos “enjaquetados” contra aqueles que vestiam ternos justos e gravata. Os últimos, em maioria, vencem o duelo. Resultou na corrida em fuga dos com jaqueta e suas motos. Todos que estavam na casa saíram dela gritando: “Nós somos os MODS! Nós somos os MODS!”. Jonas foi então saindo da casa, seguindo todas aquelas pessoas que gritavam. Pensava se ser “Mod” era ser como Jimmy e todos aqueles jovens que pareciam ter entre os seus dezessete anos, ou mais, ou menos. Uma nova ventania começa, tudo se transforma em pó, novamente, com a repetição da visão afetada. Era tudo de novo. Onde ele pararia agora? O garoto se depara sentado na mesma poltrona de antes. O disco agora não tocava mais, girava em vão na vitrola. Um homem, no balcão, o diz: “Vá para casa, vire o disco, e continue sua viagem”. E foi exatamente o que ele fez. O retorno com o disco “Quadrophenia” em baixo do braço foi tranquilo. Ao abrir a porta, depara com o seu pai, que diz: “E ai, filhão. Como foi o passeio?”. Ele o olha e responde: “Um simples passeio pela imaginação histórica. Descobri que entre ela e a música não existe velharia!”. O jovem dá um sorriso e sobe pra o quarto, colocando logo o disco para continuar a tocar.

sábado, 25 de junho de 2011

Aos que vierem depois de nós

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.


Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel Bandeira)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A vida nova é uma Contracultura



Sairei um pouco do tradicional aqui, mas não totalmente. Bom, tire suas próprias conclusões.

O objetivo é apresentar paralelos existentes entre o texto de Roland Barthes, “Aula” - sendo a aula inaugural da cadeira de semiologia literária do College de France, pronunciada em sete de janeiro de 1977 -, e o que se chamou de contracultura durante as décadas de sessenta e setenta do século XX, com exemplos retirados principalmente no Brasil, tendo como fonte de consulta o livro da jornalista Lucy Dias, “Anos 70 – enquanto corria a barca” , e retomando alguns conhecimentos da conhecida “geração Beatnick”, nesse último caso, reflexo dos Estados Unidos entre meados da década de 50.
Apesar de analisarmos épocas, lugares e pessoas diferentes, é bom lembrar principalmente do mês de maio na França, em 1968, conhecido como o Maio Francês, que paralelamente com a geração já citada, pode ser interpretado como uma grande influência ao que se via no mundo durante os anos 70, e entre essas lembranças também é possível retomar o contexto de revolta a partir de convocações para a Guerra do Vietnã, além do desgosto gerado por ela, não só a parte da população norte-americana, como também a população mundial. Retomamos o que foi dito da França no fim da década de 60, e podemos lembrar como uma associação que esse era o espaço vivido pelo autor aqui analisado.
No início do texto (propriamente nas páginas 4 e 5 da tradução), Barthes retoma lembranças do passado, sobre quem o inspirou, e assim também, ajudou. Faz uma associação de nomes. Esse elemento é colocado simultaneamente com a influência “beatnick” a chamada contracultura, são lembrados nomes como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, além da presença da idéia da estrada como liberdade, essa última adorada pela geração da década tratada, e a adoração pelo novo, aquilo que foge da regra e das normas – uma década em que se vê a presença nítida de drogas variadas, e não apenas nos grupos jovens, como também no meio artístico, sendo ele a música, o cinema, o teatro e até a literatura, como pode ser visto nos próprios livro “Beats”, que apresentamos como um exemplo o livro “Viajante Solitário” de Jack Kerouac (já citado nesse parágrafo), lembrando que o autor retrata ali entre suas viagens, uma ida para a França.
Ainda na página cinco, o autor refere a um desejo revolucionário de estudantes de Letras, para um ensino livre, posto no trecho: “Assim, quanto mais livre for esse ensino, tanto mais será necessário indagar-se sob que condições e segundo que operações o discurso pode despojar-se de todo desejo de agarrar” . Esse desejo de revolução e liberdade está claramente colocado nessa contracultura, que pode ser exemplificado com o filme “Hair”, musical inicialmente escrito para o teatro de Biltmore, que tem como autores James Rado e Gerome Ragni. Barthes ainda lembra em um discurso sobre Poder, elemento diretamente relacionado ao que é posto em paralelo nesse texto. O autor coloca a língua como um poder fascista, que te obriga, e apresenta como exemplo o uso dos pronomes Tu e Vous, na língua francesa, como uma obrigação a ser cumprida. O poder é criticado por essa contracultura, no caso do Brasil, se tem uma crítica ao regime militar, que combate essas reclamações a base de “ponta pés”. Barthes quer uma liberdade da língua assim como jovens, hippies, militantes, ou qualquer pessoa que combata ao regime quer para o Estado. Acima de tudo, ele atribui regras e normas a literatura (a qual se divide em forças – em sua analise, Barthes recorda características do comunismo, assunto bem tratado nessas revoluções), que são motivadas pela língua, assim, pode-se dizer que a língua é o regime da arte literária.
O paralelo da existência da realidade e da irrealidade na literatura, o desejo do impossível, como é expresso pelo autor, se mostra em uma mesma linha do pensamento dessa geração da década de 70, o “desejo do impossível” era o “proibido proibir” , como grande significado dessa geração. Deixa claro o desejo de várias línguas francesas, que podemos interpretar como dialetos de grupos, que tenham o mesmo valor de igualdade. Assim também se vê uma reclamação dentro do que é colocado em paralelo, a idéia de diretos iguais, sendo defendida principalmente na linha feminista - uma posição diferenciada e igualitária ao respeito masculino -, bem retratada com a atriz Leila Diniz e uma posição com a “patota” . Ao tratar no texto “Aula” de opressões, constrangimentos, e repressões dadas a partir da rede de regras do discurso, está descarada uma associação da ação do regime vigente no Brasil durante as décadas tratadas, mas principalmente o seu movimento a contracultura.
Acima de qualquer discurso, o autor deixa claro que existiu uma modificação da obra literária por uma ruptura em maio de 68, onde facilmente se vê explicado o paralelismo aqui expresso, uma vez que se tem a influência de uma instância nos dois meios. Outro elemento de associação é a relação que tanto Barthes, quanto a produção artística brasileira inserida nessa contracultura, tem no autor alemão Brecht, e em seu teatro. Pode-se não ter um tom contraditório colocar um paralelo entre a semiologia apresentada pelo autor, não a vendo como uma ciência, mas sim como uma ajuda a outras ciências, com o papel da droga para a geração 60/70, vista com os mesmos olhos principalmente para produção artística, além de possuir um significado de libertação de correntes. Esse paralelo pode ser comprovado na visão em que se tem de um semiólogo como artista, sendo uma tipologia.
É visto um desejo de uma transformação por Barthes, bem expresso no trecho: “Em síntese; periodicamente, devo [pág. 44] renascer, fazer-me mais jovem do que
sou. Com cinqüenta e um anos, Michelet começava sua vita nuova: nova obra, novo
amor. Mais idoso do que ele (compreende-se que esse paralelo é de afeição), eu
também entro numa vita nuova, marcada hoje por este lugar novo, esta nova
hospitalidade” . Esse desejo de transformação é comum em artistas do paralelismo tratado, como pode ser exemplificado com a figura de Ivan de Albuquerque, ator e criador de teatro, com declarações a Lucy Dias para o seu livro, aqui já lembrado, que demonstrava uma visão de estranhamento e ao mesmo tempo conquista a época, principalmente em sua primeira ida a Europa, ainda na década de 60. Sua declaração demonstra uma transformação dessa visão, alguém antes considerado careta a época, estava totalmente inserido ao modelo no início da década de 70, que se refletiu no processo de produção da peça “Hoje é dia de rock”, de José Vicente . Nas últimas referências é possível visualizar um dos maiores exemplos da relação aqui tratada.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O desafinar da Bossa Nova.



Ontem, em um bar com velhos amigos meus, apareceu conversas sobre a indústria fonográfica no Brasil e o sucesso da Bossa Nova fora daqui. Dentro disso, comentávamos sobre as relações da música produzida e o país. Lembrei de um texto que estava pela metade por aqui:

Em um texto que o foco é a canção “Desafinado”, de Tom Jobim e Newton Mendonca, interpretada em 1958 por João Gilberto, não se pode deixar de lado uma breve apresentação de pelo menos um dos compositores e do interprete, além do início das carreiras, focando suas influências, o que resultou na “produção” da Bossa Nova.
Em 1951, João Gilberto com o seu grupo “Garotos da Lua” (sendo João o solista do grupo) gravam canções com toques de bolero e samba, e em 1952, já em uma gravação solo, apresenta canções de samba-canção (puxada a bolero e samba-canção) com balada norte-americana – que será lembrada posteriormente como uma das principais influências na Bossa Nova -. Já Tom Jobim, em 1955, é tido como compositor de samba-canção por completo, com suas músicas marcadamente iniciadas com o bolero. Vale ainda lembra que tanto Jobim como João Gilberto ganharam, no seu início, grande fama nos Estados Unidos e permanecem por lá de 1963 a 1967, conquistando assim grande sucesso no ramo do Jazz. Mas, principalmente Tom Jobim, era considerado um compositor de música brasileira, com suas músicas sendo vistas também seguindo uma linha do jazz latino.
“Que isso é Bossa Nova/ Que isso é muito natural”. No trecho, cantado pelo interprete, já está perceptível que a Bossa Nova é uma novidade para aquele que escuta. No período pós-guerra, quando é composta, a influência cultural tanto brasileira, quanto mundial, tem seu foco modificado. O que antes era a representação da Europa vira Estados Unidos. É a vinda do Swing para o Brasil e para a França, o Be-bop aparecia como “apenas turnês”, um momento de passagem, além disso, se tem como principal influência naquilo que seria produzido no Brasil, a canção norte-americana (essa influência sendo maior do que qualquer tipo de jazz).
“Meu comportamento de antimusical”. O trecho apresenta a crítica à estética diferenciada presente na Bossa Nova, que pode ser evidenciada na batida e no cantar de João Gilberto. A Bossa Nova é fundamentalmente melódica e João aproxima o canto à indeterminação da fala (como foi evidenciado por Lorenzo Mammi em alguns textos). O centro da Bossa Nova é o canto (o que pode estar diretamente ligado ao título e tema da canção, desafinado), João Gilberto propõe no cantar uma conversa de tom intimista, além disso, a obra soa como espontânea e natural, existe a presença de uma tensão no canto e na fala, causando instabilidade na canção (diferente das notas musicais que constituem o canto, provocando a estabilidade). Lorenzo Mammi apresenta no texto “João Gilberto e o projeto utópico da Bossa Nova” que: “A essência está em algo mais recuado, numa determinada inflexão da voz, no jeito de pronunciar uma sílaba que é comum a palavra e ao canto” o que está evidente nas características de João Gilberto. Já sua batida, é samba. Nunca foi jazz. Segue uma certa regularidade (“... pois a base é uma só” – Sambinha de uma nota só), já no jazz, os acordes são normalmente atacados de maneira irregular. A regularidade presente na Bossa Nova de João Gilberto pode ser contestada em “Chega de Saudade”, quando existe a alternância da base com o princípio da não-regularidade (a regularidade está apenas em algumas seqüências de acordes), que possui 4 variações principais. Já em “Bim-Bom”, a canção e a música se integram em polirritmia, a voz atua nos espaços (acordes) que a música possibilita.
“Fotografei você na minha Rolleyflex” demonstra a Bossa Nova como um elemento cultural da classe média para cima (visto que posteriormente foi e é um símbolo nas novelas globais do escritor Manuel Carlos). Essa classe média era tradicionalmente improdutiva e reclama uma condição cultural mais rica, devendo se profissionalizar, abandonando o amadorismo. Se tem claro que essa linguagem artística, ligada a um processo histórico que resultou no fracasso, teve seu êxito independente desse fracasso (elementos que estão evidenciados no texto citado de Lorenzo Mammi). Na Bossa Nova há algo que outras tradições musicais não possuem, resultado de toda sua influência e uma atividade do músico altamente especializada (o que também é evidenciado pelo autor).
Por fim, vale ainda lembrar que a Bossa Nova expressa emoção, como já foi dito sobre o cantar de João Gilberto, e pode ser visto no trecho: “... os desafinados também tem um coração”, e com isso pode-se considerar que a canção “Desafinado” apresenta um panorama do que era e é a tal Bossa Nova.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Welcome back my friends to the show that never ends...



O título não é apenas um ‘olá’ a casa abandonada (afinal de contas, criei isso daqui, abri portas e deixei acumular teias e poeira), mas também a principal frase da música e do disco que me apresentou as idéias que serão colocadas nesse texto.
Brain Salad Surgery é um grande disco. Em uma modesta opinião a maior obra do trio Emerson, Lake & Palmer, mas não é o que penso tratar aqui, e longe de ser um texto para se discutir qualidades musicais e criativas (quem sou eu para tratar disso). O jogo em questão é a evolução das mídias para reprodução musical. Escuto agora esse disco gravado em DTS (Digital Theater Systems), com seis canais, me sento no centro da sala e começo a ouvir. Uma experiência considerável, mas, existe algum valor? O que representa essa mudança toda? Será que não se perde nada, uma vez que esse disco foi gravado e lançado em vinil em 1973? E o que se ganha?
Bom, essa história toda veio quando um alguém apareceu com essa gravação em DTS, me explicando todo eufórico da tal ‘tecnologia’ (isso aconteceu há uns 2/3 anos, mas só agora me veio certa inspiração), vindo com a frase: “na época de lançamento do disco, muito fumo foi queimado para se entender isso daí”. Será que o fato de você agora estar rodeado por essa música (pelos seis canais), não se precisa de nenhuma substância para manter os ‘estados alterados da mente’? Seria essa era a idéia dele?
Na realidade, o que também pode ser jogado em questão é a tal necessidade dessas substâncias. Elas são ou eram mesmo necessárias? (não entro em questão de ser um movimento, e nem mesmo o que proporcionou. A questão está apenas no fato de se entender a música) Não foi a questão proposta inicialmente na publicação, mas, tal discussão pode estar relacionada, visto pela fala colocada no parágrafo anterior. O grupo fez uma gravação de show com essa música, foi chamado de ‘Pictures at an exhibition’ (como o álbum – ou como a suíte em 10 movimentos composta para piano por Modest Mussorgsky), e durante a apresentação de 'Karn Evil 9', música que contém a frase do título desse texto, a imagem aparece em negativo e, após um tempo, é trocada por quadrinhos da Marvel. Ouso assim chamar os efeitos provocados pelas imagens ou pelos sintetizadores e o piano tocado por Keith Emerson, superiores a quaisquer outros tipos. Lembro ainda que o músico Frank Zappa (que não tem nada com essa publicação) foi conhecido por demitir qualquer músico de sua banda que aparecesse bêbado ou chapado em um show ou ensaio, além de dizer incontáveis vezes que não usava drogas. Mas quanto a esse assunto (necessidade do uso de substâncias ou não), cabe a cada um ter a sua opinião.
O ponto positivo da gravação em DTS:
1 – Com a gravação do álbum em um cd, ele pode ser ouvido por inteiro, de uma só vez. No caso do vinil, a música em questão teve que ser dividida em partes (mas não se perdeu com isso, uma vez que ele foi editado especialmente para essa divisão existente) – esse ponto não se dá pelo formato de gravação, e sim pela mídia, o cd.
2 – Para um músico, a gravação em 6 canais possibilitou a melhor compreensão de todos os instrumentos. Cada movimento pode ser analisado meticulosamente (possibilita assim até uma melhor interpretação de um ouvinte qualquer).
Porém, defendo o vinil com unhas e dentes. A sensação de pegar a tal bolacha e colocá-la na picape com todo cuidado, para que nenhum dano seja causado, já é algo incomparável. Já ouvi de alguns que isso é maluquice, e de outros, que é uma paixão (às vezes até invejável). Para se ouvir um vinil deve-se seguir um ritual, nada pode ser quebrado (literalmente), e a posição final, de apenas admira-lo girando enquanto toca,... (conclusão para se tirar sua própria conclusão).
Por fim, valorizamos a capa. Ela só é vista hoje em dia como uma arte porque, no seu início, era grande e visível. Deveria ali existir uma arte, algo que chamasse a atenção (que variam. Como exemplo, coloco Grand Wazoo do Zappa e White Album, dos Beatles).
Passamos por evoluções, sim. Respeitamos e valorizamos o antigo, a origem da forma.

Como indicação, o vídeo: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=gdSHeKfZG7c
E tudo vai sendo esquecido...

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sgt. Pepper's lonely hearts club band, um cd te carrega para 1967.


“It was twenty years ago today, Sgt. Pepper's taught the band to play”

E com os primeiros berros de Paul McCartney o som começa. Um disco extremamente inovador para época , a começar pelo jeito que foi gravado até as letras de suas canções. Mas porque tratá-lo em um primeiro texto? Bom, faria sentido pelo simples fato de ser uma das obras que eu mais admiro do quarteto de Liverpool, além disso, o grande foco dessa publicação é apresentar comentários sobre as remasterizações que estão nas prateleiras de grandes lojas.
Eu já havia comprado a nova edição de “Revolver” para ver “qual era” a desses CDs, não apenas para apreciá-lo como gravação, mas também encarar toda a sua editoração em encartes e afins. Acabei ganhando a remasterização do “Sargento Pimenta” de um amigo (Rafael Pontilho) de aniversário, um presente animador.
Coloco o cd na sua primeira música para escrever isso, talvez dê algum incentivo maior. Voltando ao foco: O CD REMASTERIZADO, não posso dizer que ao pegá-lo tive a mesma sensação que pegar o bolachão em sua primeira edição britânica (é algo indescritível, sem frescura), mas tenta ser. Em uma caixa estilizada, tendo como capa a segunda foto mais famosa do quarteto (o que é obvio), o cd se encontra, tentando parecer com essa bolacha preta. Dentro, estão os quatro enfileirados de um lado, e do outro, um envelope guardando o livreto, este com comentários do próprio Paul, George Martin, Mark Lewisohn e Peter Blake, informações sobre as músicas (gravações, autor, interprete...), diversas fotos da banda, seja para marketing ou no próprio estúdio, além das letras. Para retirar o cd, que tem gravado como imagem o mesmo símbolo existente na versão em disco, a caixa tem uma nova abertura e um novo envelope (guardando o cd), nela, o rosto dos Beatles caracterizados.
Ao som de When I’m Sixty-Four, ou melhor, começando Lovely Rita, volto a falar da gravação em 1967. Paul McCartney pode ser admirado pelo grande resultado do disco. Com grande influência de músicos com certo tempo de estrada, como Bob Dylan, até novatos, como Syd Barrett com o Pink Floyd, que lançam o seu primeiro disco “The Piper at the Gates of Dawn” no mesmo ano, mas posterior ao lançamento do disco dos Beatles. Como disse no início, é um disco extremamente inovador para época, principalmente pelo som progressivo que apresenta, se é que posso chamá-lo assim. Como exemplo, a música “A Day in the Life”, que apresenta uma variação extensa de ritmos e instrumentos, além da sua longa duração. Ainda acho legal reparar como Paul tomou uma liderança na banda durante a gravação, uma vez que queria seguir uma linha e sem falhas, isso se relaciona com o fato de George Harrison só ter uma música escrita no disco, que quase não entra por não se encaixar em um momento inicial, que é “Within You Without You”.
E como sugestão final, para quem gostar do disco, ou de Beatles, ou apenas de música, vem o livro de Clinton Heylin, entitulado como o disco: “SGT. PEPPER'S LONELY HEARTS CLUB BAND”, que não fala apenas dele, mas do ano de gravação tanto para os Beatles como para aqueles que os influenciaram.